domingo, 18 de novembro de 2012

"Detachment" de Tony Kaye

Custa um pouco ser cirúrgico e adoptar uma postura de detachment face a Detachment (O Substituto, 2011) de Tony Kaye, sobretudo porque se trata de um filme tão quixotesco. Abraçando temas que vêm estando há muito na ordem do dia como a insubordinação escolar, a falência dos sistemas educativos, a violência escapista e existencial dos adolescentes, o filme veículo para Adrian Brody (é também produtor executivo) nunca é capaz de formular um discurso muito rico de construção ideológica ou formal face ao problema.

Brody é um professor substituto com nome de teórico da literatura (Henry Barthes), que nunca tem obrigações de continuidade. É o “homem-nota”, que passa de mão em mão, de escola em escola. Tem de chegar a uma escola, manter a “ordem” por um período provisório e depois seguir para a próxima. Rimando com esses saltos constantes está o seu próprio passado atormentado que envolve um avô moribundo e uma mãe que se suicidou quando era criança. Desde cedo que há um negrume no centro do filme e da sua personagem (até na forma como Brody fala, trazendo a gravidade mas também uma pseudo-noção de sabedoria) que é exponenciado pelo mosaico de personagens que o circundam: a adolescente prostituta (Sami Gayle), a directora do escola que será substituída em breve (Marcia Gay Harden), o professor que tudo leva com sentido de humor e comprimidos (James Caan), a jovem com problemas de auto-estima (Bety Kaye), etc.

O problema aqui não será tanto uma simbologia que estas personagens emprestam a um mal-estar que leva ao sofrimento, à deriva, à falta de saída para um sistema em pane total. A questão é que essa dor em ronde, sem saída (reproduzida pelos flashes do passado de Barthes, pelos movimentos de deambulação pelas ruas) é concretizada por uma espécie de dor geral pelo estado do mundo (veja-se por exemplo, a cena em que o professor chora no autocarro ou o momento do discurso aos alunos sobre o “marketing holocaust” e a necessidade de saber ler como forma de libertação da imaginação). Essa “falta de saída”, este sea of pain, nunca é vista por Kaye como uma potencialidade [como fez Gus Van Sant em Elephant (Elefante, 2003), por exemplo] mas sempre com um beco, uma dor circular pelos planos contrapicados, à mão, um pouco inconsequentes sobre o espaço da escola. Ou até mesmo pela divagação musical dos Newton Brothers que querem sempre reescrever a lágrima com a lágrima. Tudo isto produz um certo olhar samaritano, difícil de encaixar, mas que se deve menos à soberba e mais a uma postura algo naif.

E depois Barthes chega até nós, depois de todo este trajecto, como non person, como hollow, e em que o espectador, mais do que acreditar nas modulações do seu drama, se sentisse tentado a pensá-lo como preso no seu próprio trauma, preso no seu próprio pessimismo, reproduzindo na idade adulta a dor adolescente, atroz e única, que o filme tenta apaziguar. Poderia o protagonista suicidar-se depois do filme acabar, em vez de ler uma citação de Allan Poe exemplificando como The House of Usher é sobretudo um estado de espírito? Poderia, sim senhora. Como se já não houvesse nenhuma distinção entre a política mercantilista da educação, do “no child left behind” e uma outra que já não deixa para trás os próprios adultos.

Mas insistimos na boa vontade do argumento de Carl Lund, com algumas boas tiradas, com a ajuda de Harold Pinter, Poe, Orwell, mas que é contida numa armadura estilística (as câmaras subjectivas, à mão, os discursos frontais para a câmara, as imagens da cidade, do passado) que acabam por poluir essa genuína preocupação de base e transformar Detachment num filme que não é particularmente inovador ou ambicioso, mas que contém momentos interessantes o suficiente para nos fazer não dar por desperdiçado o tempo que estivemos a vê-lo.